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Compra da Activision pela Microsoft aproximou reguladores

O anúncio da compra da Activision Blizzard King (ABK) pela Microsoft completou um ano em janeiro, mas o processo para aprovar a aquisição não tem sido dos melhores para ambas as partes. Os três principais órgãos reguladores de mercado do planeta, sendo a FTC dos Estados Unidos, a CMA do Reino Unido, e a Comissão Europeia, não estão tão dispostas a aprovar o negócio.

Sede da Activision em Santa Monica, Califórnia (Crédito: Divulgação/Activision Blizzard)

Sede da Activision em Santa Monica, Califórnia (Crédito: Divulgação/Activision Blizzard)

Embora os três órgãos tenham diferenças fundamentais e usem abordagens diferentes, o negócio de US$ 68,7 bilhões, o maior da história do mercado de games e o maior a ser pago em espécie, independente do setor, em todos os tempos, acendeu os alarmes com tanta intensidade, que os reguladores estão se alinhando em discussões acerca de processos antitruste, especialmente os que envolvem as big techs.

Todos contra a Microsoft

Pouco depois da Microsoft revelar que estava comprando a Activision, a FTC (Federal Trade Commission, ou Comissão Federal de Comércio), órgão equivalente ao CADE brasileiro, anunciou que investigaria o processo, citando preocupações sobre a formação de um monopólio no mercado de games.

Em setembro de 2022, a CMA (Autoridade para Competição e Mercados do Reino Unido), departamento britânico criado em 2014 que ganhou força após o Brexit, se tornou o primeiro órgão a formalmente se opor à compra, após a primeira rodada de escrutínio.

Sua conclusão foi de que a Microsoft exerceria domínio não só sobre o mercado de games, mas também controlaria os de streaming e serviços por assinatura, desequilibrando a balança a seu favor, estimulando desenvolvedores a preferirem a plataforma Xbox + Windows, em detrimento dos consoles da Sony e da Nintendo, dispositivos móveis da Apple e Google, e SOs como Linux e macOS.

A conta seria simples: com as franquias da Activision podendo se tornar exclusivas, e se somando às que Redmond já controla, de estúdios como Bethesda, Compulsion Games, Double Fine, 343 Industries e Ninja Theory, entre outros, e aliado ao Game Pass e Cloud Gaming, este oferecendo streaming de jogos em celulares, TVs e computadores não-gamer, estúdios independentes, sejam pequenos ou grandes, se convenceriam de que o Xbox é “onde o dinheiro está”, pois marcas famosas atraem público, e deixariam de portar seus títulos para outros sistemas.

A CMA cita que a evolução e o maior acesso à internet de alta velocidade, permitiu a implementação de serviços de streaming de games com qualidade, e público suficiente para mantê-los, e como a Microsoft detém excelência em todas as fases do negócio, graças aos consoles Xbox, Windows, Game Pass, Cloud Gaming, a plataforma Azure para nuvem, e 24 estúdios internos, o poder de barganha nas mãos da companhia seria imenso.

A Microsoft se defende, alegando que não tem intenção de tornar as franquias da Activision Blizzard exclusivas, e chegou a até mesmo desdenhar de produtos como a série Call of Duty, jogando a desculpa de que a compra foi motivada exclusivamente pela expertise em mobile da King, desenvolvedora de Candy Crush, para aumentar sua presença em dispositivos móveis. Isso faz sentido, mas não como única explicação.

Em dezembro de 2022, a FTC abriu um processo contra a aquisição, citando as mesmas preocupações da CMA e indo além, ao lembrar que a Microsoft havia prometido não tornar jogos exclusivos anteriormente, quando da compra da ZeniMax Media, empresa controladora da Bethesda, para mudar de ideia depois, nos casos de Starfield e The Elder Scrolls VI, para Xbox e Windows. O lançamento “surpresa” de Hi-Fi Rush, também exclusivo, só jogou mais lenha na fogueira.

Ainda que a abordagem divirja, FTC, Comissão Europeia e CMA concordariam que a aquisição da Activision não deve prosseguir (Crédito: Divulgação/Microsoft)

Ainda que a abordagem divirja, FTC, Comissão Europeia e CMA concordariam que a aquisição da Activision não deve prosseguir (Crédito: Divulgação/Microsoft)

O problema, o ato do órgão regulador norte-americano não foi bem aceito entre um de seus pares. Ao citar que a aprovação da compra da ZeniMax passou na Europa ao garantir que não lançaria games exclusivos, o que fez depois, a Comissão Europeia emitiu uma nota desmentindo a FTC, ao afirmar que o processo de aprovação passou “de forma incondicional”, sem que nenhuma promessa tenha sido feita.

Ainda assim, a Comissão Europeia, embora menos vocal, também não está vendo a compra com bons olhos, e em sua segunda rodada de investigações, decidiu que ouviria as preocupações de estúdios rivais, sobre bloqueio de títulos da Activision em outras plataformas, o que poderia enfraquecê-las e torná-las menos atraentes ao público, e se o acesso aos dados da desenvolvedora dariam à Microsoft vantagens desleais.

Em tal cenário, Nintendo e Sony dependeriam cada vez mais de suas próprias franquias, o que não é um problema para a casa do Mario, mas seria um complicador para a divisão PlayStation, até porque ela passou a lançar seus games também para PC, ainda que um ano de atraso em relação ao PS5.

Alinhando as ideias

É inegável que a compra da Activision pela Microsoft colocou reguladores do livre mercado em alerta, mas as reações hoje são mais diversas, quase de papéis trocados. A FTC, outrora mais permissiva, se tornou um órgão fiscalizador de mão pesada, graças à atual presidente Lina Khan, que tal qual a Comissária Europeia para a Competição Margrethe Vestager, é inimiga declarada das big techs do Vale do Silício, que chegaram a tentar barrar sua indicação ao cargo.

A Comissão Europeia, no passado bem mais vocal, vide os processos movidos contra Google, Apple e outras, está tocando o caso com mais comedimento, embora seja bem conhecida a aversão que Vestager nutre pelas gigantes de tecnologia de fora da Europa, em especial as dos Estados Unidos, no que ela é frequentemente vista como persona non grata.

No entanto, a grande surpresa é a CMA, que ganhou poder de regulador global após o Reino Unido se desmembrar da UE. O órgão, hoje presidido por Marcus Bokkerink, foi fundamental no fracasso da compra da ARM pela Nvidia, ao citar preocupações com a Segurança Nacional, na possibilidade de a desenvolvedora de chips deixar de ser uma empresa britânica.

Agora, fontes próximas à Microsoft relatam que o regulador britânico vai se mover para barrar a compra da Activision, no que teria concluído que as garantias prometidas por Redmond não são suficientes para assegurar um mercado de games saudável e competitivo, de fabricantes de consoles a desenvolvedoras.

Em nota, a Microsoft negou as afirmações, e disse que seu time legal tem “um caso sólido” para apresentar à CMA (e por tabela, à FTC e Comissão Europeia), para concluir o negócio e garantir a aquisição do estúdio.

Lina Khan, da FTC, Margrethe Vestager, da Comissão Europeia, e Marcus Bokkerink, da CMA, o

Lina Khan, da FTC, Margrethe Vestager, da Comissão Europeia, e Marcus Bokkerink, da CMA, o “Trio Parada Dura” contra as big techs (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

A verdade é que anos de aquisições e fusões entre empresas de tecnologia, aprovadas com mais ou menos permissividade pelos órgãos antitruste, levaram à situação atual, onde poucas companhias controlam todo o setor, ditando as regras para as menores e desenvolvedores independentes, ou de mercados locais inteiros, deixando a batata quente nas mãos dos departamentos de competição.

O primeiro indício de que as coisas estavam para mudar foi a posição do presidente dos EUA Joe Biden, ao adotar uma postura anti-big techs (a nomeação de Khan para a FTC é reflexo disso), e menos boazinha com as companhias do Vale do Silício, em especial as Big Four (Apple, Google, Amazon e Meta), com outras como Microsoft e Twitter (que Elon Musk quer expandir para o setor de pagamentos) correndo por fora.

O entendimento é de que estas mantêm um oligopólio que prejudica a competição e é nocivo tanto para desenvolvedores e empresas pequenas, quanto para o consumidor, pois menor competição = menos opções = preços mais altos.

Dessa forma, a aquisição da Activision, assim como a da ARM, se tornou o alvo a ser abatido pelos principais reguladores, não importa quantas promessas a Microsoft faça de que ela não prejudicará o mercado de games; por fim, o processo se tornará um exemplo às demais empresas sobre como aquisições serão tratadas no futuro.

Resta à Microsoft apresentar um bom argumento para convencer os reguladores a liberarem a compra da Activision, porque os ventos não estão a favor.

Fonte: The New York Times

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